Samantha Thais Antunes Palopoli
Assistente Social do Seconci-SP
Enquanto Assistente Social, com especialização em Saúde Pública, Cuidados Paliativos, Saúde Mental e Psicologia Organizacional, compreendo que o enfrentamento à violência de gênero exige uma articulação constante entre políticas sociais, saúde, proteção e responsabilização.
Portanto se faz necessário falar sobre esse assunto!
O Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, celebrado em 6 de dezembro, é mais do que uma data no calendário: é um convite urgente para que toda a sociedade, especialmente os homens, reconheça seu papel ativo na construção de relações respeitosas, seguras e igualitárias. Como assistente social, atuando diariamente com famílias, instituições e políticas públicas, testemunho não apenas a dor causada pela violência, mas também o poder transformador da responsabilização masculina e do enfrentamento coletivo.
A violência contra as mulheres: um fenômeno estrutural e persistente.
A violência de gênero não é um episódio isolado ou fruto de conflitos cotidianos. Ela nasce em estruturas sociais marcadas pelo machismo, pelo abuso de poder e pela naturalização da desigualdade entre homens e mulheres. Essa violência assume formas diversas — física, psicológica, sexual, patrimonial e moral — todas com impactos profundos na saúde física, emocional e social das vítimas.
Em nossos atendimentos, encontramos mulheres que chegam fragilizadas, descrentes e, muitas vezes, culpabilizadas. Encontramos também filhos e filhas que crescem assistindo à violência como se fosse parte inevitável da vida. Enxergamos um ciclo repetido por gerações.
Por isso, romper com esse ciclo exige mais do que acolhimento às mulheres: exige intervir na raiz do problema — o comportamento e a responsabilização dos homens.
Números que Revelam a Urgência: a violência contra as mulheres é uma realidade cotidiana no Brasil
- Uma mulher é vítima de feminicídio a cada 6 horas no Brasil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024).
- 71% das violências domésticas são cometidas por parceiros ou ex-parceiros (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2024).
- Mais de 300 mil medidas protetivas são emitidas por ano no país.
- A cada minuto, 8 mulheres registram ocorrência de violência física, psicológica ou sexual.
Esses dados refletem uma realidade estruturada pela desigualdade de gênero, pelo machismo enraizado e pela naturalização de práticas abusivas. Não se trata de casos isolados, mas de um sistema que, historicamente, legitima a dominação masculina.
Referências legais que fortalecem a rede de proteção
A luta pelo fim da violência contra as mulheres no Brasil está respaldada por um conjunto robusto de legislações e políticas públicas:
Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006
Marco jurídico central. Define as formas de violência doméstica e familiar, estabelece medidas protetivas de urgência, cria mecanismos de responsabilização e amplifica a atuação da rede de proteção.
Lei do Feminicídio – Lei nº 13.104/2015
Inclui o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio e o inclui no rol de crimes hediondos, com punições mais severas.
Lei de Importunação Sexual – Lei nº 13.718/2018
Tipifica penalmente a importunação sexual e reforça a proteção da dignidade sexual das mulheres.
Lei nº 14.164/2021
Torna obrigatória a educação sobre igualdade de gênero e prevenção à violência nas escolas, reforçando o papel da formação social.
Lei nº 14.550/2023
Estabelece diretrizes para o atendimento humanizado às mulheres em situação de violência, fortalecendo a atuação multiprofissional.
Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
Conjunto de políticas intersetoriais envolvendo saúde, assistência social, segurança pública e educação.
A importância da mobilização masculina
Quando falamos em violência contra as mulheres, é comum que as campanhas sejam direcionadas majoritariamente às vítimas. Mas essa data nos recorda que os homens têm papel protagonista na mudança. Não basta “não ser violento”; é preciso atuar como aliado:
- Questionar atitudes machistas naturalizadas;
- Confrontar condutas abusivas em rodas de conversas, grupos de amigos e ambientes de trabalho;
- Buscar ajuda quando identificar comportamentos agressivos;
- Apoiar mulheres que denunciam e estimular outros homens a fazer o mesmo.
A mobilização masculina é essencial porque a violência é produzida dentro das relações sociais — e só pode ser desconstruída dentro delas.
A atuação do Serviço Social nesse enfrentamento
Nós, assistentes sociais, somos frequentemente as primeiras profissionais a acolher mulheres em sofrimento. Atuamos no fortalecimento de vínculos, na garantia de direitos, no encaminhamento à rede de proteção e na orientação sobre instrumentos legais como a Lei Maria da Penha.
Mas também exercemos um papel estratégico na educação social, dialogando com homens e famílias sobre responsabilização, comunicação não violenta, construção de masculinidades saudáveis e reconhecimento de privilégios.
Nos espaços institucionais — empresas, escolas, unidades de saúde, obras, projetos sociais — o Serviço Social pode fomentar campanhas, rodas de conversa e formação continuada que impactam diretamente comportamentos e percepções.
Um chamado para novos pactos sociais
Se queremos uma sociedade livre da violência contra as mulheres, precisamos firmar novos pactos sociais. Isso significa:
- Assumir que a violência de gênero é responsabilidade de todos;
- Reconhecer que os homens são agentes fundamentais na desconstrução do machismo;
- Entender que denunciar, acolher e educar são ações complementares e igualmente urgentes.
A transformação começa no cotidiano: no homem que aprende a ouvir sem dominar, no pai que educa filhos para o respeito, no colega que intervém ao presenciar uma situação abusiva, no gestor que cria ambientes de trabalho seguros.
Que este dia seja mais do que simbólico
Que o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres seja uma porta aberta para reflexões reais, compromissos concretos e mudanças profundas. Como assistente social, sigo acreditando no poder da educação, da escuta e da mobilização coletiva. Sigo acreditando que homens podem — e devem — ser parte essencial dessa luta.
Porque as mulheres não precisam de sobrevivência.
Precisam de vida plena, dignidade e liberdade.
E isso só será possível quando todos, especialmente os homens, assumirem sua responsabilidade na construção de um mundo mais justo.







